Por sofrer com uma deformação nos pés, pacientes adultos que nunca tinham calçado um par de sapatos na vida receberam um tratamento inédito no mundo no Hospital de Base (HB). Eles caminhavam com os pés virado, mas após o procedimento tudo se resolveu.
O tratamento era realizado apenas em crianças e considerado impossível para a idade adulta, até que o médico ortopedista, Davi Haje, começou a aplicar com sucesso o método, sem cirurgia e com o auxílio de gesso, em adultos. Até agora, quatro pessoas foram tratadas.
Um dos pacientes é Eugênio Marques de Almeida, 27 anos, o mais velho entre os quatro pacientes. Ele nasceu com o pé torto congênito, mora no Piauí e ficou sabendo do tratamento pelo cunhado, que reside no Recanto das Emas. Foi nesta sexta-feira (21), após sete meses de tratamento, que ele retirou o gesso e pode ver os pés na posição certa e, assim, calçar um tênis pela primeira vez. O acessório foi doado pelo próprio médico. O paciente é o quarto a ser tratado com essa técnica.
“Ter esse problema dificulta muito, eu não posso ajudar meu pai. Meu sonho é ajudar meu pai e minha mãe. Sinto muita dor na coluna. Agora, eu vou poder ajudar eles. Eu não pude fazer isso na infância. Quero trabalhar”, disse.
Na infância, mesmo com os pés virado, tentou fazer parte de um time de futebol como goleiro. “Meus pés começaram a machucar muito. Tive que parar. Agora, com fé em Deus, eu vou me divertir um pouco. Estou muito feliz”, contou. “Eu imaginava que não iria conseguir corrigir os meus pés, mas agora eu só tenho a agradecer a Deus e à equipe do Hospital de Base”, finalizou.
Gilmar Costa Santos, 45 anos, cunhado de Eugênio, hospedou o parente em casa. “Tenho um filho que já faz tratamento aqui. Marquei uma consulta com o doutor Davi e ele me perguntou se tinha alguém com deficiência na minha família. Apresentei a foto do Eugênio e ele disse que o caso tinha solução”, contou. O cunhado é dedicado e sempre manda as fotos para toda a família. “Agora, já tem 10 pessoas que são do Piauí e querem fazer esse tratamento aqui”, finalizou.
Geovana Melo, 22 anos, que mora em São Sebastião, tem uma história um pouco diferente. A paciente ficou sabendo do tratamento inédito porque a irmã assistiu uma reportagem sobre o primeiro caso tratado. Ela conta que não nasceu assim.
A deformidade, que atingiu apenas um dos pés, surgiu em decorrência de uma doença chamada mielomeningocele, uma malformação que ocorre quando a medula espinhal de um bebê no útero não acontece de forma adequada.
“Com o passar do tempo eu fui aprendendo a caminhar e o meu pé começou a entortar. Então, sempre tive bastante dificuldade de andar e comprar um sapato, que machucava muito. Era difícil. Tentei fazer a cirurgia, mas sempre quis jogar futebol, eu nunca consegui, mas quem sabe daqui para frente. Agora, também, vou comprar sandálias. Sempre quis usar”, finalizou. Ela fez o tratamento por seis meses.
Josué Ferreira Prado, 25 anos, veio de longe porque ficou sabendo do tratamento em uma reportagem vinculada nas redes sociais. “Moro em Tianguá, Ceará. Já nasci com deficiência e comecei a caminhar com idade avançada, perto dos três anos. Tive dificuldade na escola porque tinha muito preconceito. Quando fiquei sabendo, eu vim atrás do tratamento, apesar de não imaginar mais que nessa idade seria possível corrigir esse problema”, contou.
Josué trabalha como fiscal de loja e sofre muito com feridas nos pés, causadas em razão da posição errada do pé. “Ainda estou em recuperação, mas já sinto que procedimento mudou muito a minha vida. É muito confortável andar normalmente”, disse ao contar que já ganhou vários pares de tênis e, hoje, mais um par do médico, que presenteou os quatro pacientes, sendo os demais com o primeiro sapato da vida.
Método
O médico, que é reconhecido internacionalmente, explica que o método utilizado chama-se Ponseti. Trata-se de uma ação simples que consiste no engessamento dos membros inferiores para remodelar os pés. A terapia foi criada na década de 60 que só era usada em crianças com até um ano de vida, na chamada idade da marcha. O método nunca tinha sido usado em adultos.
“Eu fazia esse tratamento em crianças e dava certo, comecei a fazer em crianças com idades mais avançadas e adolescentes, com sucesso. Então, pensei, porque não tentar em um adulto? Tentei e deu certo. Comparando os resultados com pacientes operados, percebi que essa técnica é muito melhor. É sem cicatriz, recuperação mais rápida e corrige uma deformidade intensa. Para mim, é uma satisfação ajudar essas pessoas”, disse.
O diretor-presidente do Instituto de Gestão Estratégia de Saúde do DF (IGESDF), que administra o hospital, Sergio Costa, ressalta que ações como essas são fundamentais. “O instituto oferece apoio e agradece por iniciativas como essa, que transformam a vida das pessoas. Focamos na humanização do atendimento e estamos investindo para aumentar os serviços existentes, bem como implementar novos”, complementou.
Primeiro Caso
O procedimento considerado inédito para a idade adulta foi realizado em uma paciente de 26 anos, que tinha pé torto congênito. A paciente que veio do município de Luís Eduardo Magalhães, Bahia e chama-se Daiana da Silva Nascimento. Hoje, ela vive normalmente, sem enfrentar mais as dificuldades da má-formação. Ela retirou o gesso em 24 de maio de 2019, quando o caso foi noticiado no mundo.
Como o serviço é novo no hospital, ainda está sendo estruturado o fluxo para recebimento dos pacientes. Inicialmente, eles precisam de encaminhamento de outra unidade de saúde. Depois, devem procurar a central de marcação do Hospital de Base (HB).
fonte: Jornal de Brasília